O surf noutra dimensão

Ouvi falar sobre o couchsurfing pela primeira vez há cerca de quatro anos. Desde aí, levei cerca de três anos até ter oportunidade/coragem para surfar, não no sentido literal, pelo sofá de pessoas completamente desconhecidas.

Para quem, como eu, prefere adormecer na sala em vez de adormecer no conforto da cama, fazer couchsurfing é um verdadeiro prazer.

Numa primeira definição, couchsurfing significa poupar o dinheiro de num hotel/hostel/pousada, etc., e trocar o conforto de uma cama para dar a conhecer ao corpo as formas de um sofá, normalmente, já bastante usado por outros viajantes.

Em Dezembro do ano passado comprei viagem para Nova York e não reservei hostel porque queria experimentar couchsurfing e sabia que daí ia conseguir boas dicas para explorar a cidade. Quando disse à minha patroa quais eram os meus planos para a minha estadia na cidade que nunca dorme, ela disse, por outras palavras, que eu era louca e que não tinha noção do perigo. Reservou-me um quarto de hotel e eu tive uma viagem a Nova York solitária.

Em Março deste ano, quando já tinha viagem marcada para San Francisco (SF), ela voltou a perguntar-se se já tinha feito a reserva do hotel.
Disse-lhe que sim, que ia ficar hospedada num hostel mesmo no centro da cidade.

À saída do aeroporto SFO, entrei no táxi e dei as direções da casa do Pete e da Kira ao taxista. Fiquei em casa deles por três dias. Cozinharam para mim, eu cozinhei para eles, passeei pela cidade sozinha enquanto eles estavam a trabalhar, fomos sair à noite, levaram-me a um CS meetup e fiz amizade com uns quantos americanos, um indiano, um australiano e um japonês que tem uma casa de férias nos Açores.

Os planos iniciais eram de ficar a semana inteira em SF. Mas estar na California e não fazer a US Route 1 era, não sei… mas podia ser desperdiçar a única oportunidade da minha vida.

No fórum do CS procurei por pessoas que estivessem em SF e que também queriam fazer San Francisco – Los Angeles pela costa californiana. Encontrei um alemão que se tinha despedido para andar durante 6 meses a viajar pelos USA. Ele tinha carro e eu só tinha de lhe pagar 30 dólares para ele me levar até LA.

Por si só, fazer a US Route 1, já me transportava para uma cena de filme. Mas fazê-la com um alemão que tinha acabado de conhecer ultrapassava qualquer limite de risco que eu tinha imposto para esta viagem.

A beleza das paisagens da costa da Califórnia não é descritível por isso nem vou tentar fazê-lo. Basta dizer que paramos mais vezes do que o previsto e que o mais sensato seria arranjar dormida em Santa Bárbara e seguir para LA no dia seguinte pela manhã.

– Queres que marque também hotel para ti?
– Não. Não quero gastar dinheiro e não quero hotéis para esta viagem. Vou fazer um pedido de última hora no site do CS.

Assim foi. Uma meia hora mais tarde, tinha dois convites. Um deles era de um rapaz de 24 anos e outro era de um senhor de 85 anos. Vi o perfil e as recomendações dos dois e mandei uma mensagem para o Parkie a avisar que ia chegar tarde.

Cheguei à morada indicada por volta das 23h30, o Parkie recebeu-me de roupão e com olhos de quem estava com muito sono. Deu-me uma manta, mostrou-me onde ia dormir e onde era a casa de banho e deixamos a conversa para o dia seguinte.

Acordei por volta das 7h com o Parkie a preparar o pequeno-almoço. Juntei-me a ele e quando demos por ela já estávamos os dois a chorar ao ver fotografias da família pequena deste americano de 85 anos.

Umas horas depois, quando o alemão me fui buscar para seguirmos para LA, eu convidei o Parkie para vir a Portugal quando quisesse. Ele levou o convite a sério e marcou viagem para Portugal uns dias depois. Para um mês.

Nesse mês, dormimos em casa de 15 famílias portuguesas que nunca tínhamos visto nas nossas vidas.

Para quem gosta de se aventurar no desconhecido, esta pode ser a melhor experiência de sempre. Para mim, foi e acredito que vá continuar a ser. Se me perguntarem o que é o CS, é isto que respondo.


1 thoughts on “O surf noutra dimensão

  1. “…Umas horas depois, quando o alemão me fui buscar para seguirmos para LA, eu convidei o Parkie para vir a Portugal quando quisesse. Ele levou o convite a sério e marcou viagem para Portugal uns dias depois. Para um mês…”

    Depois de me rir – aqui sozinho – que nem um perdido com a tua expressão “Ele levou o convite a sério e marcou viagem para Portugal uns dias depois. Para um mês…”

    Mal sabia eu que tinha dado lugar a um experiência de uma vida.
    Já estive a ver as repercussões desse convite.

    Deliciosa, esta história.

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